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Perdido Na Selva

 

            Viajávamos a cavalo, através duma região quase desabitada no vasto interior do Continente Sul-Americano, região ainda habitada por índios selvagens. Nesta viagem, que durou alguns dias, atravessamos dessas florestas, tivemos de passar a vau vários rios e, as noites escuras, passamo-las  debaixo de frondosas árvores, expostos ao constante perigo de animais selvagens e de insetos nocivos. A dura e esforçada viagem além de ser fatigante obrigava-nos a racionar os mantimentos, pois as nossas reservas de comida diminuíam assustadoramente. Éramos sete pessoas, a maior parte das quais não estava habituada a esta vida primitiva. Os dois dias eram horrivelmente escaldantes, mas as noites tornavam-se insuportavelmente frias, de modo que, adormecendo junto à cinza quente, algumas vezes despertamos com roupa queimada.

            Sempre nos levantávamos antes da aurora. Após um chá quente e umas bolachas secas, montávamos logo para prosseguir a viagem. Algumas vezes perdíamos muitas horas à procura dos cavalos que se tinham embrenhado no bosque à procura de erva ou folhagem. O problema da água também não era fácil pois passavam-se dias sem se encontrar um riacho sequer. Para suprir parte da nossa alimentação tratávamos de caçar pássaros.

            Em certa ocasião avistamos um bando de belíssimos pássaros brancos, as famosas garças. Tomei o nosso Winchester e internei-me na espessa selva. Como os pássaros se afastassem, segui-los penetrando na selva. Acertei por fim num belo exemplar, mas a ave, ainda que mortalmente prosseguia esvoaçando; sem demora fui à procura dela.

            Não notei que já era hora de anoitecer; naquela zona equatorial escurece em poucos instantes e, quando tratei de regressar para junto dos meus companheiros, uma escuridão  impenetrável envolvia a floresta. Não havia outro recurso senão trepar a uma árvore alta para ver se podia enxergar o fogo do acampamento dos meus companheiros. Para completar a minha angústia começou a chover e densas nuvens cobriam a imensa selva; nada se podia ver. Tão pouco veio resposta aos meus tiros e gritos; estes só viriam aumentar o perigo, pois podiam atrair a atenção dos índios. Parecis, muito temidos nesta região da Bolívia. Passei portanto a noite tremendo de frio com fome e sem poder dormir devido às ondas de mosquitos que me atacavam sem cessar. Já de madrugada tropecei com a garça abatida, mas já não servia para comer, pois milhões de formigas vorazes, conhecidas na Amazônia como "formiga de fogo", estavam devorando a carne do pássaro.

            Em vão procurei orientar o meu caminho para voltar onde tinha deixado meus companheiros. Andei horas e horas, internando-me mais e mais na selva através duma densíssima vegetação; a folhagem e trepadeiras gotejavam a chuva de forma que não ficou um fio seco no meu corpo.

            Vi, com horror, aproximar-se o fim do segundo dia sem ter achado a saída deste labirinto vegetal. Outra noite caiu; os mosquitos, maquies teimosos, pareciam devorar-me vivo. Embora cansado, não pude dormir um instante nesta segunda noite; fome, frio e medo atormentavam o meu corpo e a minha mente. Nesta agonia espiritual e física resolvi apelar para Deus, a quem servia há tantos anos, pois para Ele seria coisa fácil conduzir-me para fora deste inferno verde.

            Cheguei à conclusão de que humanamente falando, a minha situação se tornaria cada vez mais precária até ficar irremediavelmente perdido, pois sem comida, sem lume e sem bússola para me orientar, não sobreviveria muito tempo nesta prisão verde. Várias expedições de grandes homens de ciência com todo o seu equipamento moderno têm desaparecido em selvas misteriosas como esta.

            Ao romper o terceiro dia, levantei-me, mas todo o meu corpo estava dolorido, os braços e o rosto inchados pelas picaduras dos mosquitos que não cessavam de perseguir-me de dia e de noite. Compreendi que se queria escapar com vida, teria que mover-me enquanto ainda tivesse força, pois uma fraqueza geral se apoderava de mim. Com uma oração fervorosa a Deus, levantei-me e tomei determinado rumo, sem me poder orientar pelo sol, pois chovia quase sempre e quando cessava não era possível enxergar o sol devido à espessura da folhagem de árvores que teriam provavelmente 30 ou 40 metros de altura.

            Com a aurora do quarto dia, embora completamente exausto, renovei o meu esforço, abrindo caminho através dos arbustos e trepadeiras até que achei, numa clareira, abundante quantidade de pequenas frutas silvestres comestíveis, pois estavam pecadas de pássaros. Esta fruta juntamente com gusanos extraídos de troncos apodrecidos serviu-me de alimentação suplementar.  Deus não havia de abandonar-me, dista estava absolutamente convencido. O mesmo Deus que guiou os Israelitas pelo deserto da Arábia, podia guiar-me para fora desta selva secular.

            Era já o quinto dia em que me encontrava perdido na selva, quando notei um leve declínio no terreno que percorria; infalivelmente teria de conduzir a um ribeiro. Depois dalgum tempo, ora saltando ora tropeçando sobre árvores podres e através de cipós entreliçados, ouvi o ruído da água, certamente um afluente do majestoso Mamoré.

            Segui durante algumas horas os barrancos do rio desconhecido, desviando-me com cautela dos numerosos jacarés que se estendiam no lodo... De repente, ouvi o relinchar dum cavalo... e, antes que se fechasse a sexta noite, achava-me sentado junto dos meus amigos ao redor do fogo do acampamento. Com lágrimas nos olhos dávamos graças a Deus pela Sua bondade e por ter protegido a minha vida.

            Meu amigo, crês tu também no poder da oração? Deus ouviu as nossas súplicas quando pareciam perdidas todas as esperanças. Dirás que nunca esperas chegar a uma situação semelhante, isto é, perderes-te na selva dum sertão desconhecido. Pode suceder, porém, que te encontres perdido num bosque emaranhado de vícios e pecados dos quais não sabes livrar-te. Não são os bons propósitos nem livros de rezas que te ajudarão. É preciso que tenhas uma fé viva nas promessas de Deus. Se eu tivesse confiado na minha própria força, certamente teria perecido na minha aflição, mas a confiança em Deus deu novo ânimo ao meu espírito.

(Uma Experiência pessoal de A. J. Widmer S.)