O Filho
Roberto estava quase no fim do seu quarto semestre na universidade quando se encontrou com Susana que estava quase no fim do seu segundo semestre da mesma. Parece que foi o tal de "amor a primeira vista". No entanto, tendo como primeira necessidade a conclusão dos seus estudos superiores, esperaram mais três anos antes de casar. Roberto já tinha concluído seu mestrado e já estava bem estabelecido num excelente emprego. Susana ainda tinha um ano ou mais para concluir seu mestrado.
Querendo ajustar bem seu casamento antes de começar sua família aguardavam ansiosamente o cronograma pré-estabelecido da sua vida conjugal. Aos vinte e oito anos finalmente dizeram um ao outro que chegou a hora para receber o muito desejado filho para seu lar. Começaram a pintar e preparar o quarto, comprar os móveis, o enxoval, e outras coisas necessárias para um recém nascido.
No entanto, os meses passaram e nada de gravidez. A tristeza começou a pairar sobre a casa e o casal. Aquela felicidade que conheceram nos anos anteriores foi se esvaziando aos poucos. Um ano passou, encontrando o casal com muito desânimo, e começou se tornar óbvio aos seus amigos íntimos que havia algo desagradável acontecendo com o casal. Mas, veio a formatura de Susana, e a felicidade deste grande feito abateu um pouco da tristeza que sentiram tão profundamente.
Os dois se envolveram profundamente nas suas respectivas profissões, frequentemente voltando exaustos para casa, sem sentir o afeto e amor de antes. A porta do quarto preparado com tanto amor e esperança ficava fechada para eles não serem obrigados recordar os preparativos para o tão desejado filho. Quase não se falava mais acerca de um filho e uma família. Os dois se dedicavam quase exclusivemente às suas profissões, e os laços do seu matrimônio estavam se desatando aos poucos.
No fim de quatro anos de casamento e o início do segundo ano desde que começaram a jornada para uma família decidiram procurar ajuda de profissionais na área da medicina. Quase a metade do segundo ano tinha se passado quando veio o diagnóstico final: problemas físicos nunca permitiriam que eles tivessem um filho próprio. Não dá para descrever a profundeza da tristeza que se abateu sobre os dois. Silêncio reinava na sua casa. As tarefas domésticas foram feitas por obrigação e não com o amor, afeto e carinho de antes.
Roberto finalmente começou reconhecer que estava sendo muito atraído para uma colega no seu trabalho. No início nutriu estes sentimentos sem entender exatamente a razão. Ele sabia que, apesar de não estar fazendo algo fisicamente errado, estava o fazendo no seu íntimo. O ambiente do seu lar piorou. Finalmente, ele reconheceu que estava num caminho que traria ainda mais tristeza sobre ele e a mulher que tinha escolhido para ser seu cônjuge vitalício. Com muita dificuldade tomou a coragem num fim de semana; convidou sua esposa para jantar fora num lugar de requinte romântico. Após um jantar muito especial, ele começou a conversar muito sinceramente e confessou seu desvio apenas emocional. Chorou, pediu perdão e segurando afetuosamente a mão da sua amada prometeu que não deixaria mais o seu coração a trair.
Ela ficou só olhando para ele. Não o criticou. Não o condenou. Ficou em silêncio por um bom tempo, não só deixando que ele segurasse a mão dela, mas também apertando a dele. Depois de um silêncio que deixou Roberto ansioso, ela começou a falar. Finalmente se abriu a fonte de lágrimas e com as bochechas banhadas, confessou que ela também estava passando por circunstâncias semelhantes. Eles passaram a se segurarem mais intensamente pelas duas mãos. Os dois estavam chorando enquanto afirmaram novamente seu amor um para com o outro.
O jantar e suas consequências abriram a porta para conversas francas durantes os dias e semanas seguintes. Uma coisa ficou muito clara e isto foi que eles ainda queriam ter um filho na sua casa, ainda que fosse por adoção. Não foi uma decisão fácil, mas aos poucos, e com muita conversa eles concordaram mutuamente em procurar adotar um menino.
O processo de procurar uma criança, submeter todos os documentos às autoridades, analisar todos os detalhes, inclusive os dados dos pais que dariam seu filho para ser adotado, levaram alguns meses. A frustração de Roberto e Susana de serem aprovados como pais adotivos, achar uma criança para adotar, e preencher todos os requisitos foi muito grande, e quase chegaram ao ponto de desistir de tudo de uma vez para sempre.
Mas, repentinamente, quando tudo parecia impossível, receberam uma ligação na qual foram informados que uma moça acabou de dar luz a um filho e que ela não quis ficar com a criança por não ter condições de criá-la. De fato, para não ficar mais apegada à criança ela recusou até de ver o recém nascido. Foi dito que Roberto e sua esposa poderiam se dirigir ao hospital para ver a criança e acertar o processo de adoção, assinando os devidos documentos, e que dentro de dois ou três dias poderiam levar seu filho para casa.
Haviam tantas emoções naquele momento, que teria sido impossível para eles descreverem o que sentiam. Havia emoções de euforia, receio, alegria, tristeza e até de medo. Mas, afinal, parece que a longa jornada tinha chegada a um final feliz. No tempo predeterminado levaram o menino para casa. A criança encheu a casa de choro. Os pais abraçaram com muito prazer às múltiplas tarefas do cuidado da criança. O menino cresceu, e a alegria encheu a casa de Roberto e Susana. Após cinco anos adotaram uma menina nas mesmas circunstâncias, e agora sua alegria parecia chegar ao cúmulo mais alto.
O amor dos pais por estes dois filhos adotivos foi forte, sincero e inabalável, até com as artes aprontadas, as desobediências e etc. Nunca foi escondido deles que foram adotados. Foram assegurados ao longo dos anos que apesar de serem adotados que eram muito amados, e talvez mais do que se fossem filhos naturais do casal. Mas, com o passar do tempo, o menino, tendo chegado a sua adolescência avançada, alcançando seus dezesseis anos ficou intrigado com seu passado e queria muito saber quem eram seus pais biológicos. Os pais adotivos, na realidade, nem sabiam direito os nomes nem o paradeiro dos pais biológicos, e tentaram por todos os meios fazer o filho deixar de lado a idéia de procurá-los.
O menino formou-se do ensino médio, e com o apoio moral e financeiro dos pais estava já preparado para embarcar nos seus estudos de nível superior, já tendo passado pelo vestibular e sendo aceito por uma universidade de renome. No entanto, escondido dos pais tinha se empenhado na tarefa de achar seus pais biológicos. Logo depois da sua formatura, e antes de começar os estudos na universidade a pesquisa dele teve resultado e descobriu a cidade onde seus pais biológicos residiam. Por aí começou uma campanha constante do filho para poder ir conhecer estas pessoas totalmente desconhecidas. A insistência foi tanto que apesar do grande receio que sentiram, os pais deram seu aval e até custearam a viagem. Com muita alegria o filho viajou, mas Roberto e Susana com trepidação voltaram para casa aguardar o retorno do filho.
No entanto, o retorno não foi assim tão rápido como foi planejado. Depois de uma semana ele ligou dizendo que iria ficar mais uma semana. No final desta, ligou novamente dizendo que ainda tinha mais tempo de férias de verão e iria ficar um pouco mais. Ele não tinha se comunicado nada acerca de onde iria e com quem ficaria, portanto os pais não tinha como entrar em contato com ele. Um mês passou, e depois dois. A dor dos pais aumentou com o passar de cada dia. A irmã adotiva também se preocupou muito, mas sendo que ela também ficou alheia às informações do paradeiro do irmão, ficou impossibilitada de fazer algo.
Seria tão bom se eu pudesse dizer que este filho logo voltou para casa, mas não aconteceu. Meses passaram até completou um ano sem ouvir nada do filho. Contato foi feito com a polícia, mas nada podia ser feito. Um ano passou, e foi para dois, e a tristeza dos pais criou um ambiente muito desagradável dentro do seu lar, ao ponto de afetar a filha. Parece que o mundo desabou sobre eles. Apesar dos sucessos profissionais, da casa boa, dos carros do ano na garagem, e todos os bens adquiridos com a vida de sucesso, a dor de ter perdido seu filho acabou com a alegria dos sucessos alcançados.
Uma noite, e bem tarde a noite, logo depois da filha se formar do ensino médio, a campainha da casa soou. Sonolento, Roberto se levanta, e com o receio de quem mora em cidade grande foi atender a porta. Espiou pelo olho mágico, mas não podia reconhecer a pessoa debaixo da luz da área. Vendo que a pessoa não estava armada, abriu a vigia da porta e indagou de que se tratava aquela hora da noite. Uma voz um pouco familiar, mas irreconhecível disse: "Pai, sou seu filho." Não dava para acreditar, pois a figura a sua frente estava cabeludo, barbudo, sujo, com roupas em farrapos, magro, com olhos fundos e pretos, com dentes faltando e outros cariados. "Você é mesmo meu filho adotivo?" "Sim," respondeu, "seu nome é Roberto e o da minha mãe é Susana, formei-me de tal colégio de ensino médio e em tal ano." Agora, acreditando que era realmente seu filho, buscou a chave, chamou pela mãe e pela irmã e abrindo a porta recebeu esta pessoa que mais aparecia um mendigo que o filho que saiu de casa cinco anos antes.
Não quero lhe fatigar com os pormenores da história. No entanto é necessário lhe dizer que a vaga na universidade foi perdida, as drogas acabaram com a mente sã do rapaz. Tentou várias vezes fazer o vestibular outra vez, mas sem sucesso. Ele nunca teria a carreira brilhante que estava a sua frente. Quando não ficava aos cuidados dos pais, trabalhava em serviços rudimentares que lhe proporcionava pouca renda financeira. Namorava, mas não achou alguém que queria ficar com ele, pois não tinha condições de sustentar uma esposa e família. A história ainda está sendo escrita, mas não tem condições nunca de ter um final feliz. Só o remorso lhe resta de decisões mal tomadas, de conselhos recusados, e a entrega total às emoções carnais desenfreiadas.
Quando considero esta história me lembro das muitas pessoas que após experimentar o melhor de Deus, a plenitude das bênçãos de uma vida cristã, tendo sido fartas de tudo que é bom e eterno, rejeitaram a igreja, a Deus, a Palavra de Deus, os ensinos e amor de pais cristãos, por achar que o mundo fora da igreja é mais atrativo que a vida cristã. Criticaram o pastor da igreja, os professores da escola dominical, os líderes departamentais, por achar que estes só lhes queriam tirar um bom divertimento, a alegria, o gozo e o que eles consideram de prazeres normais da juventude. Tenho visto algumas destas pessoas tentarem voltar para Deus, mas os laços do pecado são tão fortes que não conseguem. Outras conseguem, mas descobrem que não há como recuperar os anos perdidos. As vezes jovens saem da igreja, casam no mundo e de repente querem voltar para Deus e a igreja. Mas, frequentemente o cônjuge não quer, ou os filhos não querem. Se aquela pessoa consegue voltar e se firmar com Deus, ainda é obrigado conviver com a dor constante provocada por saber que sua família não é salva e tem um destino eterno e terrível. São obrigadas conviver com o remorso pelo resto da vida.
Os quase cinquenta anos de ministério tem me proporcionado um livro grosso de ilustrações do gênero. As vezes fico muito abatido por lembrar estas histórias. Lembro de pessoas que rejeitaram apenas uma palavra amiga, um conselho para o seu bem. Mas eles, estando de dura cerviz, não querendo que alguém "mandasse" neles, acharam que sabiam melhor o que era bom para eles, e resolveram andar de acordo com seus próprios conselhos em vez dos da Palavra de Deus. Já estou vendo a terceira geração de pessoas que tomaram decisões contra Deus, Sua Palavra, a igreja, o pastor e os demais líderes da igreja. Três gerações! Todas sem Deus. Dezenas de pessoas com um destino muito infeliz e para ser muito sofrido. Ainda que não seja o fogo eterno do inferno, somente o remorso seria sofrimento suficiente; remorso de não ter alcançado o paraíso de Deus, o descanso prometido, a glória do novo céu e a nova terra. Há de ser remorso por saber que não precisava ser assim, mas é por causa da sua própria teimosia e rejeição de Deus e os profetas que Ele mandou para lhes admoestar. Podia ter sido diferente por ouvir a Palavara de Deus, por saber que o pastor não queria lhes tirar os prazeres, mas queria, na realidade, ajudá-los alcançar os prazeres eternos.
"Há um caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo da em caminhos de morte." (Provérbios 14:12)
Philip D. Walmer