Portadores De Alzheimer Continuam A Perceber Manifestações De Afeto
Apesar dos danos à memória, portadores de Alzheimer continuam a perceber manifestações de afeto
Médicos e cientistas confirmam que tratar os doentes com carinho faz bem
A memória pode se apagar, mas os sentimentos perpetuam. Embora se esqueçam facilmente dos fatos, as emoções decorrentes de um acontecimento – coisas como um filme, um telefonema, uma visita – não se extinguem em pacientes com problemas de memória.
A pesquisa americana publicada no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences conseguiu demonstrar que os portadores de doenças como o Alzheimer estão menos ausentes do que se imagina. Submetidos a um teste aparentemente simples, eles continuaram a experimentar sensações como tristeza e alegria, mesmo sem lembrar do motivo.
– Acredito que vamos fazer a família desses pacientes perceber que mesmo uma ligação rápida, uma visitinha ou uma simples piada podem fazer diferença para o bem-estar e a felicidade – avalia o principal autor da pesquisa, o neurologista Justin S. Feinstein.
No estudo, Feinstein e sua equipe fizeram um teste de memória com cinco portadores de diferentes graus de demência, mas todos com o comprometimento diagnosticado. Eles assistiram a um trecho de um filme triste, enquanto eram observados. Durante a exibição, todos demonstraram tristeza, seja chorando ou por meio de expressões faciais. Depois do filme, os participantes disseram que se sentiam tristes e que foram afetados de forma negativa.
O mesmo ocorreu quando assistiram a uma comédia. Embora não se lembrassem das cenas, eles reportaram uma sensação de bem-estar e humor.
Descobertas recentes
♦ Pesquisadores identificaram um gene que provavelmente aumenta o risco de desenvolver a doença de Alzheimer de início tardio, tipo mais frequente da enfermidade. O MTHFD1L está no cromossomo 6, e sua alteração foi identificada em 2.269 pessoas com Alzheimer. Indivíduos com uma mutação nesse gene teriam o dobro de riscos de desenvolver a doença.
♦ Uma pesquisa publicada no Archives of Neurology, desenvolvida no Medical Center da Universidade de Columbia, em Nova York (EUA), faz uma relação com a dieta. Cientistas descobriram que os participantes adultos que incluíam mais frutos oleaginosos, peixe, aves, frutas e verduras em sua alimentação, diminuindo a quantidade de laticínios gordurosos, carne vermelha e manteiga, apresentavam risco muito menor de sofrer de demência.
O segredo pode estar em nutrientes como ômega 3, vitamina E e ácido fólico.
♦ Cientistas japoneses publicaram um estudo no periódico online especializado The Faseb Journal, anunciando a descoberta de uma nova ferramenta que poderá revolucionar o diagnóstico da doença.
O exame mede o nível da proteína beta-amiloide no fluido espinhal do paciente. Quanto maior a presença da substância, maior a probabilidade de o indivíduo ser portador de Alzheimer.
Os autores acreditam que o exame vai facilitar o diagnóstico precoce do mal. Em sua fase mais inicial, é bastante difícil identificá-lo.
♦ Pesquisadores expuseram, por até oito meses, cerca de uma centena de ratos a ondas eletromagnéticas emitidas por celulares, durante uma ou duas horas diárias.
Grande parte dos roedores foi geneticamente modificada para ter um quadro equivalente ao do Alzheimer e problemas de memória ao envelhecer, enquanto os outros foram mantidos normais e não mostravam predisposição genética à doença.
As ondas fizeram com que os depósitos de uma proteína, acumulada no cérebro e diretamente relacionada ao Alzheimer, desaparecessem.
Paciente em fase avançada diferencia entonação da voz
De acordo com o coordenador do Centro para Alzheimer do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Jerson Laks, não é possível afirmar, ao certo, o motivo pelo qual os portadores de Alzheimer se esquecem dos fatos, mas continuam com as sensações inerentes a eles. Porém, diz que há uma hipótese bastante plausível.
– Na criança, quando o cérebro começa a se desenvolver, a primeira coisa que aparece é a memória emocional, processada na amígdala cerebral. Depois é que vem a parte cognitiva, processada em outra parte, o hipocampo. Na hora da involução, do mesmo modo, é possível que o comprometimento inicial seja do hipocampo, ficando ainda um traço do emocional – afirma.
Segundo Laks, muitas vezes acontece de as pessoas acharem que podem falar qualquer coisa na frente de um portador de Alzheimer, com a certeza de que ele não vai entender.
– Eles podem não se lembrar, mas fica o impacto emocional. É possível verificar isso, por exemplo, observando que eles ficam agitados – diz.
O médico explica que, mesmo na fase mais grave da doença, quando o paciente parece completamente afastado da realidade, o modo de falar interfere.
– Ele não entende o que é dito, mas consegue entender a entonação da voz – explica.
O autor da pesquisa conta que a dissociação entre emoção e memória em pacientes com amnésia data de 1911, quando o neurologista suíço Édouard Claparède escondeu um alfinete entre seus dedos enquanto apertava a mão de uma paciente. Poucos minutos depois, a mulher havia se esquecido do encontro. Porém, quando Claparède tentou apertar novamente sua mão, ela se negou. Quando perguntado o motivo, ela questionou:
– Por acaso há um alfinete escondido na sua mão?
Apesar da resposta, Claparède alertou que a paciente deixou claro que não se lembrava de ter se ferido com um alfinete. Segundo o neurologista Justin S. Feinstein, contudo, experimentos como o do médico suíço tratam da resposta condicionada a um estímulo, ou seja, um reflexo natural. Já a pesquisa da Universidade de Iowa procurou estudar que a emoção decorrente de um fato persiste mesmo quando o evento que a induziu foi esquecido.
Com o resultado, ele espera que os cuidadores se conscientizem da necessidade de tratar bem os portadores de Alzheimer, independentemente de eles esquecerem dos fatos em questão de segundos.
– A pesquisa forneceu claras evidências de que tratar com respeito e dignidade os pacientes que sofrem de amnésia é mais do que uma simples questão moral – afirma Eeinstein.
(Artigo extraído da Seção de Saúde do Jornal Zero Hora)